sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A 71 ANOS OS JAPONESES ATACAVAM PEARL HARBOR


Na Divina Comédia, o escritor Florentino Dante Alighieri (1265-1321) descreve a ante-sala do inferno, um escuro vestíbulo infestado de almas sofridas. Ali residem, aos suspiros e prantos, aqueles que viveram sem infâmia nem méritos - os indecisos, os neutros, aqueles que pensaram apenas em si mesmos. Alguns, almas tristíssimas, correm de lado a lado sem descanso; os outros desventurados são picados por vespas e moscardos, misturando sangue às lágrimas. Na aurora do último dia 7, numa manhã abençoada por generosos raios de sol, o vestíbulo do inferno passou a existir no paraíso de Pearl Harbor, na ilha havaiana de Oahu - e, no lugar das vespas, lépidos aviões de guerra tratavam de sangrar quem estava ali. Um ataque preciso e fulminante das forças japonesas arrasou a principal base militar americana no Pacífico e fez substituir o brilho do amarelo-sol e do verde-mar pela palidez do cinza-fumaça e do preto-escombro, tonalidades exclusivas da aquarela da devastação bélica. É essa nova paisagem, trevosa, soturna e ciméria, que denota o grande êxito da ousada, surpreendente e traiçoeira ação nipônica, desde já uma das mais arrasadoras da história militar - uma ação tão incisiva que fez o governo dos Estados Unidos, havia anos hesitante e receoso em tomar parte em batalhas de qualquer natureza, finalmente despertar de sua letargia e declarar guerra contra o Eixo, ao lado de britânicos e soviéticos.

  
  

O preço pago por essa prostração, todavia, foi altíssimo. A destruição de 18 embarcações e 349 aeronaves e a morte de mais de 2.400 americanos em Pearl Harbor, como se não fossem nefastas por si só, ainda tornam praticamente inválidas as forças ianques no Pacífico, agora muito provavelmente incapazes de fazer frente às pretensões expansionistas nipônicas. Graças ao plano arquitetado pelo comandante Isoroku Yamamoto, magistralmente executado pelas forças do vice-almirante Chuichi Nagumo, o Japão tem o caminho livre para a conquista do Pacífico: Filipinas, Malásia, Hong Kong e Índias Orientais Holandesas já estão na mira - e com elas, claro, o petróleo, motivo número 1 pelo qual o país do sol nascente resolveu pegar em armas. Hong Kong, por sinal, depois de 18 dias de combate, já levantou a bandeira branca.

O ataque a Pearl Harbor ainda atarantava o mundo ocidental semanas depois do golpe. "Uma data que viverá na infâmia", classificou o presidente americano Franklin Delano Roosevelt, encolerizado com a deslealdade da ação japonesa - afinal, não houve ultimato nem alertas, como sugere o frágil protocolo da guerra. Mais que isso, o 7 de dezembro ficará marcado como o dia do início da guerra total, que deixou o front europeu e se alastrou pelo resto do globo, engolindo todos os continentes. A abertura da frente do Pacífico e a entrada dos Estados Unidos na contenda, com o apoio de Grã-Bretanha e União Soviética, contra Alemanha, Itália e Japão, signatários do pacto Tripartite, aliada à declaração de guerra da China ao Eixo, coloca um planeta perplexo diante de uma nova guerra mundial - a segunda em apenas quatro décadas.

Ousadia oriental - Na raiz do assalto a Pearl Harbor está a pretensão nipônica de expandir, a exemplo da Alemanha, seu próprio império. Não é demais recordar que o primeiro passo nessa direção, o ataque à China em 1937, já provocara uma guerra em grande escala no Pacífico, inesperada e indesejada, que passou a sorver vorazmente os recursos do Japão. No final de 1940, para remediar suas vulnerabilidades básicas, o país traçou um ambicioso plano de expansão no sudeste da Ásia, visando buscar petróleo, borracha e bauxita nos braços de impérios ocidentais em desagregação. Aliado à Alemanha desde novembro de 1936, via Pacto Anti-Comintern, o Japão só tinha por obstáculos nessa trilha expansionista a União Soviética e os Estados Unidos.

Para neutralizar os soviéticos, os nipônicos recorreram a um pacto de neutralidade e não-agressão por cinco anos; para imobilizar os americanos, assinaram, em setembro de 1940, o já citado pacto Tripartite. O tiro, contudo, saiu pela culatra, e as relações entre Japão e Estados Unidos se deterioraram ainda mais. As negociações diretas com os americanos começaram em fevereiro de 1941, mas a invasão de 30.000 soldados japoneses na Indochina francesa, em julho, apenas fez agravar a crise. Enquanto os franceses se resignaram a essa incursão contra seu império, os americanos, enxergando no ataque mais uma séria ameaça a seus interesses no Extremo Oriente, reagiram prontamente, congelando os bens japoneses nos Estados Unidos e determinando um embargo econômico ao Japão - medidas apoiadas e seguidas pela Grã-Bretanha.

Com parcos recursos naturais e uma economia seriamente abalada pela guerra e pelo bloqueio, o império nipônico entrava em alerta. O presidente do Conselho de Planejamento do Japão, Teiichi Suzuki, declarou em meados deste ano que o embargo provocaria o colapso do país em 24 meses, e clamou por uma decisão final - pela guerra total ou pela paz - sem mais delongas.

Depois de muita discussão interna e muito jogo de cena diplomático, o Estado-Maior japonês aprovou em outubro último o audacioso plano do comandante Yamamoto, que tinha como objetivo imediato a conquista das possessões inglesas e holandesas no sudeste da Ásia. Em seguida, as forças armadas ocupariam posições estratégicas na Ásia e no Pacífico, formando perímetro defensivo em torno do império recém-adquirido no Sul, das ilhas metropolitanas e das vias marítimas que ligavam o Japão às suas novas fontes de suprimentos.
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Erro e negligência - A maior ameaça individual ao êxito dessa manobra era a esquadra norte-americana do Pacífico, baseada em Pearl Harbor, a 5.500 quilômetros do Japão - a ser destruída com um só golpe, em um arrebatador ataque aéreo. No primeiro dia de dezembro, o Conselho de Planejamento, na presença do imperador Hiroíto, fixou de forma definitiva a data dessa incursão para 7 de dezembro. Registrou-se da ata da reunião: "Nossas negociações com os Estados Unidos a respeito da execução da nossa política nacional, adotada no dia 5 de novembro, fracassaram. O Japão abrirá hostilidades contra os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Holanda." Por motivos óbvios, o plano foi mantido em sigilo absoluto - inclusive dos países do Eixo.

Mesmo com essa precaução, não foram poucos os indícios da estratégia japonesa que chegaram ao conhecimento dos ianques antes da execução do ataque - especialmente por meio do Magic, sistema que permite aos Estados Unidos decifrar as mensagens diplomáticas japonesas. Contudo, Washington, por motivos inexplicáveis, não chegou a repassar essas informações para o comando no Havaí, medida que certamente teria colocado as autoridades locais em estado de alerta. Na mais clamorosa das indicações, Tóquio pedia aos seus espiões em Honolulu que preparassem uma planta de Pearl Harbor dividida em 5 áreas, com a localização exata dos navios em cada uma delas, e as enviassem ao comando militar do país.

Quando, em 4 de dezembro, o corpo da embaixada japonesa em Washington simplesmente debandou, sem deixar vestígios, os Estados Unidos passaram a perceber que o Japão inclinava-se definitivamente para a guerra. Mas a combinação de uma série de erros de interpretação com uma boa dose de negligência acabou permitindo que os Estados Unidos, de forma vexaminosa, fossem pegos desprevenidos. Eles achavam que os japoneses atacariam primeiro nas Filipinas.

'Tora! Tora! Tora!' - A chamada Frota de Ataque Pearl Harbor, que deixou em 26 de novembro a baía de Tankan, no Japão, rumo ao Havaí, era espadaúda. Dois navios de guerra, dois cruzadores, nove destróieres e mais uma dezena de embarcações de apoio, além de 27 submarinos e, claro, as estrelas da comissão: seis porta-aviões que carregavam mais de 420 aeronaves - a maior esquadrilha já transportada por via marítima em toda a História. Para uma travessia tranquila  a troca de falsas mensagens no Japão e o silêncio nos rádios das embarcações foram fundamentais, ajudando a despistar os já relapsos americanos, que imaginavam os navios se deslocando para o Sul. A armada, porém, se aproximou do Havaí pelo Norte; na noite de 6 de dezembro, estacionou a 350 quilômetros de Pearl Harbor, esperando apenas uma ordem para dar o bote.

Na manhã de 7 de dezembro, vieram as novas e derradeiras demonstrações da incompetência e da negligência dos Estados Unidos diante das gritantes evidências de hostilidades. Por volta das 4h50, um dos submarinos-de-bolso japoneses cruzou os portões de Pearl Harbor, sendo detectado e abatido; entretanto, nenhum alarme geral foi emitido - algo elementar diante da importância do evento nas circunstâncias de tensão entre os países. Mais tarde, às 6h45, três radares móveis do Exército americano, responsáveis por rastrear o espaço aéreo setentrional da ilha, detectaram a presença de duas aeronaves japonesas, que haviam sido lançadas para procurar porta-aviões inimigos nas cercanias. A informação foi transmitida para a central de Fort Shafter, que simplesmente a ignorou. Por fim, exatamente às 7h02, os mesmos radares captaram uma formação massiva de aeronaves a cerca de 200 quilômetros de Oahu. Para um dos cérebros de Fort Shafter, tratava-se apenas de aeronaves de reconhecimento dos porta-aviões dos Estados Unidos lançados ao mar, ou então uma esquadrilha de B-17s em direção às Filipinas. A certeza, de qualquer forma, viria em pouco tempo.



Às 7h16, a primeira vaga, comandada por Mitsuo Fuchida, partiu para o canhoneio. O céu estava cerrado, mas, bem acima de Oahu, as nuvens davam brechas exatas para que a falange nipônica avistasse as montanhas verdejantes da ilha. Fuchida liderava uma força de 143 aeronaves: 43 caças Zeke, para neutralizar qualquer reação norte-americana e castigar os aeródromos; 51 bombardeiros de mergulho Vals, para acossar a Ilha de Ford, o Campo Hickam e o Campo Wheeler; 49 Kates transformados em aviões torpedeiros, para golpear os navios de linha na Battleship Row, onde as embarcações ficavam ancoradas; e mais 49 Kates, mas como bombardeiros de vôo horizontal. Não havia mais obstáculos.


Nos cockpits dos aviões, então, ecoava a senha para o ataque: Tora! Tora! Tora! ("Tigre! Tigre! Tigre!"). Minutos depois, Pearl Harbor já estava encapsulada por nuvens de fumaça e fogo. Às 8h30, a missão dos homens de Fuchida estava cumprida; após um hiato de 45 minutos, por volta das 9h15, uma segunda vaga de 171 aeronaves, comandadas pelo capitão-de-fragata Shigekazu Shimazaki, completou o serviço. Às 10h, o ataque estava terminado, e os aviões japoneses retornavam, com a sensação do dever cumprido, a seus ninhos. "Quando nossos bombardeiros terminaram seu trabalho, a imponente força naval de uma hora antes se havia fundido como neve ao sol", comemorou Fuchida. A imponente base que enchia os americanos de orgulho transformara-se numa ruína com navios incandescentes e guarnições dizimadas. A base na qual os americanos pretendiam conduzir a guerra no Pacífico era, em uma palavra, o caos.

Na manobra que eliminou mais de 10 embarcações de grande porte, 300 aeronaves e cerca de 2.000 militares americanos, só 30 aviões japoneses foram abatidos - cerca de um quinto do previsto pelo comando militar agressor - e apenas 55 soldados foram mortos. Na verdade, a missão Pearl Harbor só não atingiu 100% de seu objetivo pelo fato de não ter conseguido destruir os quatro porta-aviões da frota norte-americana no Pacífico. Não foi culpa dos homens de Fuchida e Shimazaki: para sorte dos Aliados, todas essas embarcações estavam em missão externa no momento do ataque a Oahu. Comemorando as pouquíssimas baixas, quase toda a frota original navegou em águas plácidas de volta ao Japão, celebrando a conquista.












Quem ficou para trás, porém, ainda continuou colhendo vitórias importantes no Pacífico. Ataques-surpresa japoneses em 10 de dezembro acabaram com metade da Força Aérea dos Estados Unidos do Extremo Oriente, nas Filipinas, e mais metade do contingente da Real Força Aérea britânica, no Norte de Malaia. Esse golpe, aliás, possibilitou aos japoneses afundarem, despreocupados, os gigantes couraçados Prince of Wales e Repulse - uma terrível bordoada nas forças aliadas, que se vêem cada vez com menos recursos para fazer frente a essa irresistível onda amarela no Extremo Oriente.

Desfile de beligerantes - Apesar das vitórias iniciais dos nipônicos, o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, acredita que os orientais despertaram forças que não poderão controlar. "Quando consideramos os recursos dos Estados Unidos e do Império Britânico em comparação com os do Japão, e quando lembramos as forças da China, que por tão longo tempo se defenderam valentemente de invasões, e quando observamos a ameaça russa que paira sobre o Japão, fica difícil relacionar essa ação nipônica com prudência ou mesmo com sanidade", declarou, em visita a Washington para a Conferência de Arcadia, convocada para estabelecer as bases de uma grande aliança com Estados Unidos e União Soviética, no fim do mês. "Os japoneses certamente abraçaram uma tarefa considerável. Afinal, depois dos ultrajes cometidos contra nós em Pearl Harbor, Filipinas e Índias Orientais Holandesas, eles agora devem saber que o jogo de que decidiram participar é mortal."

Franklin Roosevelt subscreve o colega, ressaltando que tanto a Alemanha quanto o Japão, pelos atos de seus governos, são igualmente daninhos à humanidade. "O caminho que o Japão vinha seguido nos últimos 10 anos encontrava paralelo no caminho de Hitler e de Mussolini na Europa e na África. Agora, tornou-se mais que um paralelo. É uma colaboração tão bem calculada que todos os continentes e oceanos do mundo são considerados pelos estrategistas do Eixo como um único e gigante campo de batalha", acusou o presidente americano.

Com a estocada nipônica no Havaí, o desfile de beligerantes - e a própria pugna em si - realmente estendeu-se por todo o planeta, passando a contar, em meados de dezembro, com o concurso de 43 países, 15 dos quais chegados para o baile apenas nas últimas duas semanas. São eles: Albânia, Alemanha, Austrália, Bélgica, Bulgária, Canadá, China, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Cuba, Dinamarca, El Salvador, Equador, Egito, Eslováquia, Estados Unidos, Etiópia, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Guatemala, Haiti, Holanda, Honduras, Islândia, Itália, Iugoslávia, Japão, Luxemburgo, Manchucuo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Polônia, República Dominicana, Romênia, União Soviética, União Sul-Africana e Tchecoslováquia.

Além dessas nações, outras tantas estão em guerra passiva - casos da Dinamarca, ocupada pelos germânicos, Islândia, tomada pelos americanos, e Egito, ocupado pelos britânicos. Vários países, como o Brasil, romperam relações diplomáticas com os integrantes do Eixo e ensaiam uma aproximação da coalizão ocidental. A base do Eixo é formada por apenas 10 nações, que, apesar da desvantagem numérica, subjuga o mapa da guerra, pois domina praticamente toda a Europa continental, as partes mais prósperas da União Soviética e as regiões mais populosas da China - e está aumentando seus territórios com as conquistas japonesas no Pacífico. Por outro lado, os analistas militares avisam: a tendência é que, com o passar do tempo, a superioridade obtida com as agressões perca terreno, em detrimento da superioridade advinda do maior número de recursos bélicos, da força industrial e do domínio dos mares.

É sintomático, portanto, que Adolf Hitler e Winston Churchill, informados do ataque a Pearl Harbor, tenham reagido da mesma forma. O Führer, recolhido em um de seus quartéis-generais subterrâneos próximo a Rastemburg, na Prússia Oriental, gritou em delírio: "Agora é impossível perdermos a guerra!" Já o rotundo primeiro-ministro britânico, que jantava em Chequers, exclamou: "Agora venceremos!" Hitler pensa no apoio das formidáveis forças armadas japonesas para prevalecer sobre os exércitos aliados; Churchill conta com o enorme poderio econômico americano para desalinhar o Eixo. Prever qual força falará mais alto ao final do conflito, ao contrário do ataque a Pearl Harbor, é tarefa impossível.

TEXTO: REVISTA VEJA
FOTOS: LIFE MAGAZINE




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